Considerada como a técnica mais eficiente para correção de acidez nos solos, a aplicação do calcário vem sendo adotada desde o início do século XX e permanece até os dias de hoje uma etapa dos programas de manejo dos solos.
Mas corrigir a acidez do solo é a única função da aplicação de calcário? Que outras vantagens essa técnica traz e quais os riscos de uma aplicação incorreta?
Importância agrícola do calcário
Introduzido na década de 20 e consolidado na década de 60, o uso do calcário vem mostrando um protagonismo no mercado brasileiro agrícola de insumos agrícolas. Sucesso esse impulsionado pelos solos brasileiros naturalmente ácidos.
De origem sedimentar e constituído predominantemente de carbonato de cálcio, essa rocha possui inúmeras aplicações na indústria, desde a fabricação de tintas à produção de corretivos agrícolas para correção de acidez.
Solos com elevada acidez favorecem o aparecimento de elementos tóxicos e a indisponibilização de nutrientes essenciais às plantas. Esses problemas impulsionam a indústria de corretivos: as estimativas da Associação Brasileira dos Produtores de Calcário apontam que para cada tonelada de fertilizantes sejam utilizadas entre 1,5 a 2 toneladas de calcário agrícola.
Grande parte dessa demanda é produzida e absorvida regionalmente, com mais de 85% das rochas lavradas destinadas para o mercado interno. O custo dos corretivos também favorece esse cenário, por representar apenas 5% das despesas totais com a produção.
Foto da aplicação de calcário. O Mato Grosso é líder na produção e possui 6 dos 50 municípios com maior PIB per capita, pela representatividade no agronegócio (Fonte: Embrapa Trigo – Giovani Faé).
Os efeitos do calcário no solo
Quando aplicado no solo, o calcário entra em contato com a umidade e libera cátions e ânions. A proporção desses íons varia de acordo com o tipo de calcário aplicado, definindo também uma finalidade específica para cada variedade desse insumo:
- No calcário calcítico predominam os íons de cálcio (Ca) em relação aos de magnésio, sendo indicado para suprir demandas de Ca do solo;
- No calcário magnesiano existe um equilíbrio entre os teores de cálcio e magnésio, sendo indicado para manutenção da relação entre os dois elementos;
- No calcário dolomítico predominam os íons de magnésio (Mg) em relação aos de cálcio, sendo indicado para suprir demandas de Mg pelo solo;
- O calcário filler possui um uso ainda mais específico, sendo indicado para os sistemas de plantio direto por sua granulometria fina e alto poder de neutralização.
Esses íons serão responsáveis tanto pela reposição de nutrientes essenciais as plantas, quanto pela sua finalidade mais conhecida: a correção do solo. Essa correção acontece quando os ânions liberados reagem com os cátions de hidrogênio livres no solo, reduzindo a acidez do solo.
A correção da acidez promove um ambiente mais favorável a mineralização dos nutrientes presentes na matéria orgânica, transformando as formas orgânicas de nitrogênio e enxofre em formas inorgânicas, amônio e sulfato, respectivamente.
O Dr. Valter Casarin, Doutor em Ciência do Solo pela École Supérieure Agronomique de Montpellier (França) e professor na ESALQ/USP, também apontou a correção de acidez como uma ferramenta para a disponibilização máxima de nutrientes:
Com um sistema radicular mais desenvolvido, as plantas passam a ter uma maior resistência às secas e obtêm um aporte físico mais eficiente para absorver os nutrientes e a água, potencializando sua produtividade.
O calcário enquanto condicionador do solo, não afeta apenas as suas propriedades químicas. Ele também tem um papel essencial na estrutura do solo, reduzindo a compactação através do mesmo mecanismo de neutralização dos cátions.
Essa alteração física se torna possível pois os cátions responsáveis pela acidez e toxidade nos solos ácidos são os principais agentes floculantes dos coloides. É o que explicam os pesquisadores M. Morelli e E.B. Ferreira, em seu artigo Efeito do carbonato de cálcio e do fosfato diamônico em propriedades eletroquímicas e físicas de um Latossolo, publicado na Revista Brasileira de Ciência do Solo.
Todas essas finalidades só alcançam o máximo de eficiência quando a aplicação do insumo é feita de forma correta e em quantidades adequadas para não gerar efeitos indesejados.
A calagem e os cuidados que devem ser tomados no uso dessa técnica
A calagem é a denominação atribuída à etapa de preparação do solo em que ocorre a aplicação de calcário. Ela é feita de maneiras diferentes, dependendo de fatores como o sistema de plantio.
No cultivo convencional o calcário será aplicado e incorporado no solo em profundidades de até 20cm. Já em sistemas de plantio direto será distribuído em superfície, com preferência para utilização do calcário filler.
A aplicação ocorre três meses antes do plantio, para garantir que o insumo atue de forma satisfatória. Mas, como o calcário depende de umidade para a realização do condicionamento do solo, devem ser evitados períodos de seca para aplicação do produto.
Um dos problemas mais recorrentes na fase de aplicação é a super calagem, ou seja, a aplicação do calcário acima dos níveis recomendados ocasionada pela má distribuição, incorporação ou dimensionamento do insumo.
Essa condição faz com que ocorra a mineralização excessiva da matéria orgânica, tornando-a muito mais vulnerável ao processo de lixiviação, que é quando os nutrientes se movem no perfil do solo, se perdendo para as camadas mais profundas.
Ademais, o pesquisador Márcio Veronese, em seu estudo A adubação fosfatada no sulco de plantio ameniza a intensidade dos sintomas de deficiência de manganês, identifica que o excesso de cálcio devido à realização de super calagem proporciona o aparecimento deficiência de manganês nas plantas.
Outro efeito relacionado com o excesso de cálcio é relatado pela pesquisadora Aline da Silva Sandim no estudo Disponibilidade de fósforo em função da aplicação de calcário e silicatos em solos oxídicos: a retrogradação do fósforo. O processo retrogradação faz com que os íons reajam com o cálcio e voltem a uma forma indisponível para as plantas.
Dessa forma, a calagem deve ser executada dentro das recomendações e especificações técnicas, a fim de gerar apenas benefícios a campo.
A calagem é uma boa técnica agrícola?
A calagem apresenta uma série de benefícios como a regulação de pH, neutralização de metais potencialmente tóxicos e fornecimento de nutrientes importantes para as plantas.
Benefícios esses limitados pela execução satisfatória da aplicação, em períodos do ano em que o solo ainda tenha certo nível de umidade e respeitando todas as recomendações inerentes ao processo.