Você sabia que o solo possui uma capacidade natural de suprimir diversos patógenos, fazendo com que a incidência ou severidade de doenças de plantas permaneçam baixas? Essa capacidade é atribuída, em parte, a presença de microrganismos benéficos do solo. Entenda como os microrganismos auxiliam na supressão de patógenos no solo e como é possível usá-los para favorecer a maior sanidade das lavouras na agricultura!
O que é a supressividade de patógenos no solo promovida pelos microrganismos?
Ao longo do seu processo evolutivo, as plantas sempre tiveram que conviver com diversos patógenos, estabelecendo com eles um processo coevolutivo que sempre esteve em equilíbrio nos ecossistemas naturais.
Contudo, com o advento da domesticação das plantas e o desenvolvimento dos agroecossistemas pelo homem, esse equilíbrio foi sendo perdido e fez com que muitas doenças adquirissem uma grande importância econômica no agronegócio.
Segundo o relatório publicado por um cientista da UC Agriculture and Natural Resources, até 40% da safra agrícola mundial é perdida pelo ataque de pragas e doenças, sendo o milho, o arroz, a soja e o trigo as culturas mais afetadas.
Mesmo nesse cenário desfavorável, diversas pesquisas realizadas nas últimas décadas mostram que é possível retomar esse equilíbrio natural entre as plantas e seus patógenos, potencializando as propriedades que os solos têm para suprimir as doenças.
De acordo com os pesquisadores Kenneth F. Baker e R. James Cook, autores do livro Biological control of plant pathogens, os solos supressivos são aqueles nos quais a incidência ou a severidade de doenças permanecem baixas, mesmo com a presença do patógeno, da planta hospedeira suscetível e de condições ambientais favoráveis para o desenvolvimento de doenças.
Isso é possível porque o solo apresenta diferentes propriedades que proporcionam a supressão de patógenos no solo, sendo a presença dos microrganismos benéficos a principal delas.
Os microrganismos do solo apresentam diferentes mecanismos que auxiliam na supressão de patógenos no solo.
Muitos microrganismos do solo exercem uma ação antagônica contra os patógenos no solo, através de diferentes mecanismos para a supressão, incluindo:
- A antibiose;
- O parasitismo;
- A competição;
- A indução de resistência das plantas.
A antibiose é considerada um dos mecanismos mais eficientes para o controle de fitopatógenos, pois ela é baseada na produção de compostos antibióticos que agem diretamente sobre os agentes fitopatogênicos.
As principais espécies de microrganismos que possuem esse mecanismo bem desenvolvido pertencem ao gênero Pseudomonas, atuando principalmente no controle de fungos e bactérias patogênicas.
Já no caso do parasitismo, os microrganismos benéficos do solo suprimem os patógenos no solo por viverem às custas dele, nutrindo-se das suas estruturas vegetativas e/ou reprodutivas e diminuindo o seu potencial de inóculo.
Uma das grandes vantagens desse mecanismo é que os microrganismos estão menos sujeitos às variações do ambiente, o que permite uma maior estabilidade das suas populações no campo.
Agora, já no caso do mecanismo de competição, existe uma atuação mais indireta da atuação dos microrganismos benéficos na supressão de patógenos no solo. Isso porque eles promovem o controle desses agentes patogênicos através da competição pelo espaço, alimento e oxigênio disponíveis do solo.
Um dos principais representantes desse mecanismo são as rizobactérias do gênero Bacillus, que apresentam uma velocidade de crescimento muito superior aos demais microrganismos do solo.
Por fim, outro mecanismo de grande relevância para a supressão de patógenos no solo é a indução de resistência das plantas, em que os microrganismos benéficos estimulam os mecanismos naturais de defesa delas.
As rizobactérias promotoras de crescimento vegetal são um grupo de microrganismos que apresentam esse mecanismo bem desenvolvido, induzindo a resistência nas folhas e caules das plantas contra o ataque de agentes fitopatogênicos.
Modelo esquemático dos dois principais tipos de resistência sistêmica das plantas, que pode ser adquirida ou induzida pelo uso de diferentes elicitores bióticos, como os microrganismos do solo, e abióticos (Fonte: Martinez et al., 2015)
Ademais, é importante destacar que além desses mecanismos citados, existem diversos outros que também conferem a supressão de patógenos no solo, como a produção de sideróforos, a biodegradação de substâncias tóxicas, a hipovirulência, dentre outros.
É o que destacam R. Michael Lehman e outros pesquisadores, no artigo Understanding and Enhancing Soil Biological Health: The Solution for Reversing Soil Degradation.
Tendo em vista que os microrganismos do solo promovem a supressão de patógenos no solo e, consequentemente, a redução da incidência ou severidade de doenças de plantas, como o agricultor pode usá-los ao seu favor no campo?
Como melhorar a microbiota do solo e os seus benefícios para supressão de patógenos no solo?
De acordo com o estudo conduzido pelo pesquisador Joeke Postma, os solos com maior biomassa ou diversidade de microrganismos são os mais supressivos às doenças.
É o que ele e outros pesquisadores concluíram, no artigo Soil suppressiveness and functional diversity of the soil microflora in organic farming systems.
Por isso, aumentar a quantidade e diversidade de microrganismos do solo é uma importante ferramenta que o agricultor tem em mãos para minimizar o impacto das doenças no seu agroecossistema.
O manejo dos microrganismos benéficos do solo para supressão de patógenos no solo pode ser abordado de duas formas diferentes.
A primeira delas consiste no aumento da quantidade e diversidade geral dos microrganismos do solo para promover uma supressão geral dos patógenos do solo. Ou seja, nesse caso um grupo de microrganismos benéficos estará atuando também contra um grupo de patógenos do solo.
De forma geral, o aumento da qualidade biológica do solo pode ser feito com a implementação de práticas como:
- A rotação de culturas;
- O plantio entre linhas;
- O incremento de matéria orgânica no solo;
- A adição de materiais ricos em húmus e minerais;
- A redução do uso de insumos com altos teores de cloro;
- A manutenção da cobertura do solo, seja ela verde ou morta.
Apesar de ainda não existirem valores de referência laboratoriais para que o agricultor consiga mensurar com precisão a microbiota do solo, ele pode usar análises comparativas antes e depois da realização de algum tipo de manejo para acompanhar a progressão do aumento da qualidade biológica do seu solo.
Além da supressão geral dos patógenos no solo, o agricultor pode buscar uma supressividade mais específica de determinados agentes fitopatogênicos com a inoculação de microrganismos de interesse.
Dentre os principais grupos de microrganismos usados com sucesso no controle biológicos de doenças no Brasil estão inclusas, principalmente, as espécies dos gêneros Trichoderma, Pseudomonas e Bacillus.
Esse é o caso das espécies T. harzianum, P. fluorescens e B. aryabhattai que têm mostrado eficiência no controle dos agentes causais do mofo-branco, podridão do caule e da murcha Fusarium em diferentes culturas agrícolas.
Muitos dos mecanismos utilizados por esses microrganismos para supressão de patógenos no solo, estão associados à modulação da síntese de hormônios vegetais, a regulação da produção de compostos vegetais específicos e a síntese de sideróforos.
No caso do Bacillus aryabhattai, por exemplo, pesquisas indicam que a modulação de fitormônios promovido por essa rizobactéria é capaz de aumentar a tolerância das plantas a infecções por fitopatógenos e produzir sinais químicos ativos, que induzem as respostas de defesa das plantas.
É o que relatam Yeon-Gyeong Park e outros pesquisadores, no artigo Bacillus aryabhattai SRB02 tolerates oxidative and nitrosative stress and promotes the growth of soybean by modulating the production of phytohormones.
Além disso, os sideróforos produzidos por essa rizobactéria formam complexos estáveis com o ferro (Fe3+) presente no solo, reduzindo-o ao íon ferroso (Fe2+), uma forma biodisponível de ferro para as plantas.
Entretanto, esse processo acaba causando um efeito de supressão de patógenos no solo, já que a maior absorção de ferro pelas plantas reduz a disponibilidade desse nutriente no solo muito requerido pelos microrganismos.
É o que explicam Shahnaz Sultana e Muhammad Manjurul Karim no artigo Screening of siderophore-producing salt-tolerant rhizobacteria suitable for supporting plant growth in saline soils with iron limitation.
Também é importante destacar que muitos dos benefícios desses microrganismos na supressão de patógenos no solo acabam indo muito além dos mecanismos citados, uma vez que eles são multifuncionais e colaboram tanto na proteção das plantas quanto na nutrição, crescimento e produção de diversas culturas agrícolas.
Benefícios da associação com os microrganismos do solo para as plantas
Diferentemente das práticas para o aumento da quantidade e diversidade dos microrganismos do solo, o uso de espécies e cepas específicas para supressão de patógenos normalmente exige a inoculação das espécies de interesse no solo.
Além disso, é importante que o agroecossistema seja saudável e favorável ao desenvolvimento da microbiota do solo. Nesse sentido, o uso de fertilizantes que propiciem isso é essencial.
É o caso daqueles fertilizantes que são livres de cloro, já que o excesso desse elemento provoca problemas como o aumento da salinidade e é prejudicial aos microrganismos do solo.
Assim, com um ambiente mais favorável e a aplicação de boas técnicas de manejo, é possível tirar mais proveito dos benefícios que os microrganismos podem trazer para a agricultura.
A melhor supressão de patógenos no solo depende da melhoria da qualidade biológica do solo
Em resumo, o solo possui uma capacidade natural de suprimir diversos patógenos de plantas, o que é muito benéfico do ponto de vista agrícola, já que isso assegura uma menor incidência ou severidade de doenças nas lavouras.
Portanto, o agricultor pode potencializar essa capacidade do solo ao seu favor para melhorar o controle de doenças na sua propriedade de forma a favorecer a produtividade e qualidade das suas culturas e reduzir os seus custos com o controle de doenças.
Para aumentar a supressão de patógenos no solo, recomenda-se que o agricultor cuide principalmente da qualidade biológica do seu solo adotando práticas que favoreçam a maior quantidade e diversidade de microrganismos no solo, como também adicionando espécies de interesse através da inoculação e utilização de fertilizantes aditivados com microrganismos!