Os microrganismos são uma parte fundamental do ecossistema que permite que as plantas cresçam de forma saudável e proporcionam diversos efeitos benéficos para o solo. Porém, algumas práticas agrícolas têm um potencial para causar impactos na microbiota do solo. Entenda como isso pode causar prejuízos para a produtividade, sanidade e rentabilidade das lavouras.
A relação entre o ambiente e os microrganismos do solo
Os microrganismos apresentam uma série de interações e efeitos benéficos para o solo e as plantas, como apresentado no documento Microrganismos promotores do crescimento de plantas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), sendo responsáveis por:
- Atuar na mobilização e transporte de nutrientes;
- Realizar a fixação, solubilização e mineralização de nutrientes, como o nitrogênio e fósforo;
- Aumentar a área de absorção das raízes;
- Produzir fito-hormônios e compostos orgânicos voláteis que estimulam o desenvolvimento vegetal e podem auxiliar na proteção das plantas;
- Melhorar a resistência das plantas contra pragas e doenças e estresses abióticos.
O pesquisador e biólogo especialista em plantas e microbiologia, Dr. Alexander Jousset, no artigo Fighting Microbes with Microbes, publicado na revista The Scientist, ao falar dos microrganismos e sua importância para a saúde do solo e das plantas, faz uma analogia com o corpo humano:
“Uma comunidade diversa é especialmente importante para manter os patógenos afastados – isto é verdade tanto no organismo humano quanto no solo”.
No artigo Influence of salinity and water content on soil microorganisms, a pesquisadora Petra Marshner e outros cientistas citam que altas taxas de salinidade, por exemplo, afetam os microrganismos por dois meios principais: efeitos osmóticos e efeitos específicos de certos íons.
A osmose é um processo pelo qual a água se desloca de um meio menos concentrado para outro mais concentrado através de uma membrana. Quando há uma alta taxa de salinidade no solo, há uma perda da concentração da água nele.
Ocorre, então, um processo chamado plasmólise, que é a perda da água contida nos microrganismos e também nas próprias plantas, para o solo em virtude da alta salinidade. Como há menos água disponível no solo, os microrganismos não têm de onde retirar água para sobreviver e se desenvolver.
Além do efeito osmótico, existem outros parâmetros que podem afetar a microbiota, como a temperatura e o pH solo. Mas, como a agricultura se relaciona com os microrganismos do solo?
Algumas práticas agrícolas são prejudiciais a microbiota do solo
Algumas práticas agrícolas são prejudiciais a microbiota, porque elas desfavorecem o equilíbrio de algumas condições do solo, como a água, temperatura, pH e teor de matéria orgânica.
Para minimizar os efeitos negativos da geada, por exemplo, muitos agricultores recorrem a métodos paliativos, como a retirada da matéria verde da superfície do solo. Porém, essa prática acaba degradando a microbiota, uma vez que ela reduz:
- A presença das raízes vivas das plantas, que fornecem abrigo e alimento a essas comunidades;
- A capacidade de retenção de água e nutrientes do solo;
- O teor de matéria orgânica, que ainda pode ser agravado pelo processo de erosão.
Outro manejo que tem demonstrado prejuízos severos aos microrganismos, é a utilização de insumos agrícolas com alto índice salino e elevado teor de cloro, tornando o solo menos fértil e improdutivo.
Embora os fertilizantes sejam necessários para repor os nutrientes do solo, alguns deles, como o Cloreto de Potássio (KCl), contém altas doses de cloro (aproximadamente 47%) sob a forma do ânion (íon carregado negativamente) Cl–.
O pesquisador David Gabriel Campos Pereira e outros cientistas da Universidade Estadual de Montes Claros escrevem, no artigo Potassium chloride: impacts on soil microbial activity and nitrogen mineralization:
“O cloreto de potássio (KCl) é a fonte de potássio mais utilizada mundialmente e, devido ao uso contínuo desse fertilizante, pode ocorrer acúmulo de sais no solo e nas plantas. O excesso de íons desencadeia uma série de distúrbios fisiológicos, tornando-se um potencial biocida no solo”.
No artigo Effects of some synthetic fertilizers on the soil ecosystem, a pesquisadora Heide Hermary descreve que aplicar 100kg KCl é equivalente a despejar 800 litros de água sanitária no solo. Mesmo a metade dessa quantidade, 50kg, ainda equivale a 400 litros de água sanitária no solo.
Essa toxicidade do cloro afeta não somente a microbiota do solo, mas também as plantas, como demonstrado no estudo The potassium paradox: Implications for soil fertility, crop production and human health, do Dr. Timothy Elsworth, e em pesquisas que mostram que isso afeta a qualidade dos alimentos.
Nesse sentido, outro efeito negativo que o excesso de íons de cloro provoca tanto para os microrganismos, quanto para as plantas, é o aumento da salinidade do solo. A salinidade é, em termos gerais, a concentração de cristais salinos no solo e pode ser aumentada através da utilização de fertilizantes com elevados índices salinos, como o KCl.
O cloreto de potássio tem um índice salino de 116% que, para fins comparativos, se aproxima ao índice salino do sal de mesa (ou cloreto de sódio), com 153%.
Entre os fertilizantes convencionais utilizados na agricultura, o Cloreto de Potássio tem um dos índices salinos mais elevados.
Como favorecer o desenvolvimento da biodiversidade dos microrganismos solo
Para favorecer o desenvolvimento da biodiversidade dos microrganismos do solo é preciso buscar por mudanças de práticas com impacto no curto, médio e longo prazo e que englobem uma visão sistêmica e holística de todo agroecossistema.
A escolha do fertilizante mais adequado é tão importante quanto implementar práticas preventivas para outros problemas que possam gerar impacto para a microbiota do solo, como a retirada da cobertura do solo para mitigar os efeitos da geada.
Assim, é possível preservar a microbiota do solo e tornar as plantações mais produtivas, saudáveis e sustentáveis.