Os maiores desafios encontrados na agricultura atualmente são: produzir de forma mais sustentável, com maior produtividade e sem aumentar a área cultivada. Isso para garantir alimento à toda população mundial, que se encontra em constante crescimento e cada vez mais exigente.
De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA-ESALQ/USP), a ocorrência de pragas tem ocasionado prejuízos bilionários na agricultura, uma vez que afetam drasticamente a produtividade das culturas.
Com a constante busca por opções inovadoras, econômicas e tecnicamente viáveis aos produtores, os microrganismos do solo têm se destacado como uma excelente alternativa a ser incorporada no manejo integrado de pragas (MIP).
A evolução de técnicas moleculares e de bioinformática permitiram um grande avanço nas pesquisas relacionadas aos microrganismos do solo, sendo observado um aumento exponencial nos estudos nos últimos anos.
Hoje, sabemos que esse exército do bem desempenha funções essenciais para as plantas, para o solo e para o planeta. Deste modo, é notável o surgimento de um novo paradigma na agricultura, mais voltado à valorização e à utilização dos microrganismos do solo.
Como os microrganismos do solo auxiliam no controle de pragas na agricultura:
Os microrganismos do solo são nossos grandes aliados no combate às pragas e podem auxiliar as plantas a superarem o ataque de insetos de diversas maneiras, as quais serão detalhadas a seguir.
Benefícios da associação com os microrganismos do solo para as plantas
- Promoção de crescimento de plantas
O primeiro efeito benéfico constatado pela associação de plantas com microrganismos do solo é a promoção do crescimento vegetal.
Um dos mecanismos desenvolvidos por alguns microrganismos do solo é a capacidade em sintetizar hormônios vegetais como o ácido indol-3-acético, citocininas, auxinas e giberelinas, que auxiliam na promoção de crescimento das plantas.
Essa interação planta-microrganismo melhora a tolerância das plantas a pragas, uma vez que facilita o crescimento do tecido vegetal após o dano do inseto, resultando na compensação da perda de biomassa vegetal.
- Melhoria na disponibilização e absorção de nutrientes
Ao mesmo tempo, plantas bem nutridas conseguem se sobressair melhor mediante estresses bióticos e abióticos em relação àquelas que apresentam alguma deficiência, fazendo com que a produtividade final seja afetada em menor intensidade.
Os microrganismos do solo desempenham papel fundamental na nutrição de plantas. Eles atuam melhorando a disponibilidade de nutrientes essenciais para o desenvolvimento vegetal.
A fixação biológica de nitrogênio, por exemplo, é um dos processos mais conhecidos que contam com a ação da microbiota, tornando esse nutriente disponível às plantas.
No livro Microbiologia e bioquímica do solo, Ghulam Dar e outros pesquisadores relatam que a maior parte da fixação do nitrogênio hoje no planeta é realizada por processos biológicos, através da atividade da enzima nitrogenase. Esses processos são capazes de fixar aproximadamente 150 milhões de toneladas de nitrogênio por ano.
Além disso, a capacidade que algumas espécies bacterianas apresentam na solubilização de fosfato e zinco, tornando-os disponíveis para a absorção pela planta, também vem sendo amplamente estudada.
A produção de sideróforos, metabólitos secundários sintetizados por algumas espécies de microrganismos que se ligam ao ferro, garante às plantas maior desempenho na absorção desse nutriente.
- Indução de resistência de plantas
Os microrganismos do solo podem aprimorar o sistema “imunológico” das plantas, por meio da ativação sistêmica dos mecanismos de defesa após a exposição das plantas a danos ocasionados por pragas ou patógenos.
Esse aprimoramento é realizado através da ativação das rotas de sinalização que envolvem o ácido jasmônico e o etileno, desencadeando a indução de resistência sistêmica (ISR) por toda a planta.
A ISR pode ser desencadeada por diversos grupos de microrganismos do solo. No entanto, rizobactérias dos gêneros Pseudomonas e Bacillus spp. são mais estudadas nesse aspecto.
A eficiência da ativação da ISR por microrganismos do solo já foi comprovada contra diversas espécies de insetos e o interesse nessa área de pesquisa encontra-se em constante crescimento.
- Produção de metabólitos secundários
Os metabólitos secundários são compostos orgânicos que, embora não sejam essenciais como os primários, podem afetar a sobrevivência, fecundidade e vigor de um organismo. Nas plantas, esses metabólitos secundários apresentam um papel importante na defesa vegetal contra o ataque de insetos.
Alguns microrganismos, como as rizobactérias, são capazes de produzir ou modificar os metabólitos secundários, que desempenham funções importantes nas interações das plantas com o meio.
Um exemplo de metabólito secundário são os compostos orgânicos voláteis, que são produzidos naturalmente pelas plantas e liberados por diversos tecidos, atuando na interação com outros organismos abaixo e acima do solo.
Cada planta apresenta seu próprio perfil de voláteis, dependendo da espécie e das condições que se encontra. Isso significa que cada planta possui o seu “cheiro” característico, que influencia as interações dela com o meio.
A associação de microrganismos do solo com as raízes da planta é um dos fatores que pode modificar a composição desse “cheiro”. Dessa forma, as plantas atuam como mediadoras de interações entre os microrganismos do solo e os insetos de parte aérea.
No artigo Inoculação de sementes com rizobactérias benéficas afeta oviposição da broca-europeia-do-milho (Lepidoptera: Pyralidae) em plantas de milho, Joseph Disi e outros pesquisadores observaram que a associação da planta de milho com rizobactérias alterou o perfil de voláteis da planta.
Essa alteração afetou drasticamente a oviposição da broca-europeia-do-milho, que preferiu realizar suas posturas em plantas que não estavam associadas à rizobactéria.
A modificação do perfil de voláteis pela associação com microrganismos do solo, também influencia a atração de inimigos naturais.
Estudos tem mostrado um aumento no desempenho e atração de parasitoides de pragas, ainda que em baixas densidades populacionais em plantas inoculadas com microrganismos do solo.
Estes dados podem ser verificados nos artigos As interações entre as raízes das plantas e a rizosfera afetam o comportamento do parasitoide?, escrito por Emilio Guerrieri e outros pesquisadores; e Efeitos específicos de baixo para cima de fungos micorrízicos arbusculares em um sistema planta-herbívoro-parasitoide, escrito por Stefan Hempel e colaboradores.
Os glucosinolatos são outro exemplo de metabólitos secundários produzidos por plantas da família Brassicaceae, como brócolis, couve, rúcula, couve-flor, repolho e Arabidopsis thaliana, planta muito utilizada como modelo em diversos estudos.
Além dos benefícios para a saúde humana, os glucosinolatos são compostos que estão intimamente relacionados à defesa das plantas contra os insetos herbívoros.
No artigo Aumentando o metabolismo de enxofre e a defesa de herbívoros em Arabidopsis por sinalização bacteriana de voláteis, Mina Aziz e colaboradores relatam que a associação com rizobactérias do gênero Bacillus influencia na síntese de glucosinolatos em plantas de Arabidopsis.
Neste estudo, notou-se que houve uma maior ativação de genes relacionados à produção de glucosinolatos em plantas inoculadas com o Bacillus, o que influenciou diretamente na alimentação das lagartas testadas.
Para maior conhecimento sobre como os microrganismos do solo podem auxiliar no controle de pragas, recomenda-se a leitura do artigo Ajudando as plantas a lidar com os insetos: o papel dos microrganismos benéficos do solo, escrito por Ana Pineda e outros pesquisadores.
Utilização de produtos de origem microbiana: situação atual e perspectivas futuras
Com o aumento do conhecimento da importância dos microrganismos do solo e o surgimento de um novo paradigma de valorização desse exército do bem, nota-se um constante investimento e desenvolvimento do setor de produtos biológicos e microbiológicos.
O crescente interesse de multinacionais, o surgimento de novas empresas e a utilização de tecnologias inovadoras de produção e conservação de microrganismos, foram fatores chaves para um crescimento cinco vezes maior do mercado mundial de biológicos e microbiológicos em relação aos agroquímicos.
Além disso, o lançamento de novas moléculas químicas está cada vez mais lento e trabalhoso, exigindo investimentos muito maiores em relação aos produtos biológicos e microbiológicos.
No Brasil, somente no ano de 2020, foram registrados no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) 76 novos produtos biológicos, microbiológicos e de baixo risco em geral.
Número de produtos de baixo riscos aprovados para registro pelo MAPA nos últimos 20 anos (Fonte:MAPA)
Para os próximos anos, a expectativa é de que ocorra um crescimento ainda maior no mercado de produtos biológicos e microbiológicos, pois além de serem uma alternativa mais sustentável, possuem ótimo custo-benefício.
Esses produtos estão desempenhando um papel fundamental no manejo intregrado de pragas, onde busca-se que eles tenham compatibilidade com outras formas de manejo, inclusive com o controle químico.
Assim, com novos produtos, novas técnicas e nova mentalidade, estamos vivendo em uma nova fase da agricultura. Uma fase na qual os produtos utilizados no manejo agrícola preservam e promovem a microbiota do solo, sendo cada vez mais estudados e desenvolvidos alcançando uma escala sem precedentes no mercado agrícola.